segunda-feira, 19 de julho de 2010

Bourbon

Três horas da manhã apontava o relógio que ficava na parede de frente para a mesa do jantar, olhava ao lado da TV e via que a garrafa de Bourbon ainda estava na metade, ele estava na poltrona bebendo desde as 22 horas, só se mexia quando ia colocar mais Bourbon no copo, o disco que tocava ainda era o mesmo.

O frio entrava em sua sala, mas não tomava conta dele, ele estava bem agasalhado, a lareira estava acesa, mas a lenha já estava quase toda queimada, o vento que havia fora da casa, fazia com que as arvores que cercavam a casa balançassem fazendo um barulho gostoso e acalmador.

Lembrava dos dias de fama que ele teve, onde todos os holofotes brilhavam em sua direção, onde ele era o centro da atenção, porém agora é apenas mais um esquecido pela mídia, pelo povo, por Deus, e por sua família.

Os dias de glória se foram, junto com esses dias se foram os amigos, o dinheiro, os carros, as festas mais badaladas da sua cidade, as companhias mais vistosas que alguém poderia ter, as roupas mais elegantes que já costuraram, não havia ninguém que mais esbanjava o que tinha do que ele, gostava de ser assim, gostava de ser o centro das atenções, de ser o entrevistado da semana, de estar mostrando suas conquistas nas capas das principais revistas e jornais de seu país, gostava que todos vissem que ele tinha dinheiro.

Não gostava da nova vida, não gostava de ter sido esquecido, queria voltar no tempo, ainda sonhava com os flashes dos fotógrafos das revistas nas portas das festas, ainda lembrava das belas modelos que o acompanhavam para cima e para baixo.

Nos primeiros dias de seu esquecimento, se entregou a bebida, e ao cigarro, aos poucos, foi perdendo sua mulher e seus dois filhos, aqueles que em todo momento de seu sucesso agüentaram a exposição que tinham, sem ao menos poder emitir uma opinião, pois ele era quem mandava, era ele quem estava certo.

Pouca importância foi dada por ter perdido a família, achava que era uma conseqüência de não ser mais famoso, achava que eles só o acompanhavam por interesse, interesse na sua fama, nos seus contatos, na sua vida repleta de regalias.

Continuava a beber, poucos o reconheciam na rua, sua aparência havia mudado, não era mais o príncipe encantado com quem as meninas antigamente sonhavam. O cabelo começava a ter tons de cinza, os olhos já não enxergavam tão bem, e o rosto começava a ficar enrugado, junto com o fracasso o peso da velhice chegou.

Levantou-se e foi até o piano, ao tocar nas teclas empoeiradas lembrou da época de sucesso, quando em suas recepções em sua casa, as pessoas sentavam em volta do piano para ouvi-lo tocar, cantavam junto com ele, momentos alegres, tinha muitos amigos ali, porém nenhum desses o acompanhou no fracasso.

Enquanto tocava, degustava o resto do Bourbon, sentia o gosto do fracasso, aquele Bourbon que abrira, estava guardado há muito tempo, esperando o dia em que seu filho entrasse em uma grande Universidade, o que de fato aconteceu, porém ele ficou sabendo por um carta, escrita de forma bem fria, por sua ex-mulher, há 7 anos não via ou falava com seu filho, com sua filha era apenas 2 anos, ela o visitava, e ligava, porém com o tempo esse laço foi se desfazendo, e até no esquecimento dos filhos ele caiu.

Quando bebeu o último gole da garrafa, o filme que passava em sua cabeça sobre a sua vida, tornava-se real, percebia que esse era mesmo seu triste fim, sozinho, esquecido por todos, vivendo apenas de uma pequena aposentadoria, e do aluguel de um imóvel na praia, não era bem isso que ele tinha imaginado para a sua vida.